A moralidade é um tema que tem ganhado muito destaque no âmbito educacional, principalmente, ao ressaltar a importância da formação de cidadãos críticos e participativos, portanto, de indivíduos autônomos.
A moralidade não é inata. É uma construção gradativa ao longo do desenvolvimento que requer a interação da criança com o adulto ou com outras crianças nos mais variados ambientes. Dessa forma, não existem momentos e locais específicos na vida das crianças para se trabalhar com temas morais.
Segundo Piaget (1994), a moralidade se constrói mediante uma seqüência fixa de estágios passando de níveis mais simples para outros cada vez mais elaborados. Assim, a moralidade é caracterizada por três estágios: a anomia, em que predomina a ausência de regras; a heteronomia em que o indivíduo obedece a leis e regras que lhe vem do exterior, sem nenhuma consciência; e a autonomia na qual o indivíduo compartilha os diferentes pontos de vista levando em consideração não o individual, mas o que é importante para um determinado grupo.
O sentimento regulador do desenvolvimento da moralidade é o respeito, que pode ser unilateral, pautado em uma relação desigual em que se respeita sem ser respeitado, ou mútuo, privilegiando-se a cooperação entre os indivíduos.
A criança desde muito pequena tem contato com regras recebidas dos adultos sobre coisas que podem ou não fazer e, quando ocorre a transgressão de uma regra, é comum que o adulto utilize punições para que a ordem seja restabelecida. Ao obedecer incondicionalmente ao adulto, a criança está pautando sua relação no respeito unilateral. É normal para ela, achar que as ordens que vem do adulto são imutáveis e sagradas, portanto, cabe cumpri-las. A moral predominante neste tipo de relação é a heterônoma.
Para La Taille (1996), a heteronomia é a porta de entrada para a moral, pois a autoridade adulta tem um papel estruturante no universo moral. Sem passar por esse estágio normal nas experiências infantis, a criança não consegue sentir a obrigatoriedade das regras e terá dificuldade em estabelecer as primeiras relações de reciprocidade, ou seja, aquela em que se percebe a ruptura do elo social e o próprio sujeito quer restabelecer a ordem por ter consciência da quebra da regra, percebendo as conseqüências dos atos cometidos.
Em um primeiro momento as relações de reciprocidade são constituídas por uma retribuição direta com o ato praticado. Ao longo do desenvolvimento a tendência é de que a criança considere as particularidades que envolvem cada situação antes dessa retribuição.
As crianças devem respeitar as regras sociais por entenderem que, sem elas, não há possibilidade de convivência e não simplesmente pelo fato de não serem castigadas. É fundamental que as regras sejam internalizadas e isso só será possível quando a criança conseguir cooperar com os demais indivíduos do seu grupo social.
Dessa forma, torna-se necessário que as regras apresentadas para a criança sejam claras e bem definidas, bem como a existência de regras que não são passíveis de negociação, enquanto outras podem ser formuladas por elas. Essas regras negociáveis favorecem a superação da heteronomia.
Ao ingressar no contexto escolar, as mesmas considerações podem ser feitas, visto que a escola promove a educação sistematizada, possui regras e pode/deve contribuir para o processo de socialização da criança em um ambiente mais amplo que o familiar.
As atitudes cotidianas do universo escolar na relação professor-aluno pressupõem: regras, respeito, situações de justiça e injustiça, autoridade e autonomia. Estes são componentes do desenvolvimento da moralidade que podem revelar o tipo de moral predominante, a heterônoma ou a autônoma.
Acreditamos que esses componentes devam ser sistematizados nas práticas pedagógicas e não devem ser tratados com sutileza, pois uma das funções da escola – formação para a cidadania – é formar o cidadão autônomo, consciente de seus direitos e deveres, capaz de participar ativamente da vida em sociedade.
As práticas pedagógicas que auxiliam no desenvolvimento da moralidade podem ser constituídas desde atividades de rotina da sala de aula até a seleção de conteúdos específicos a fim de promover conhecimentos, mas não se deve ter a ilusão de que, ao se trabalhar com conteúdos da moralidade, as crianças sigam fielmente o que lhes foi proposto, pois, assim como nos demais conhecimentos, no que se refere à autonomia, “a realização dos objetivos propostos implica necessariamente que sejam desde sempre praticados, pois não se desenvolve uma capacidade sem exercê-la” (BRASIL, 1997, p. 94).
Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: meio ambiente e saúde. Brasília: MEC/SEF, 1997.
LA TAILLE, Yves de. A educação moral: Kant e Piaget. In: MACEDO, L. (org). Cinco estudos de educação moral. Casa do Psicólogo, 1996. p. 137-178.
PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.