Desde o final do século XIX o desenho infantil foi foco de estudo de vários pesquisadores que estabeleceram estágios/etapas para a sua evolução. Esses estudos mostraram que as crianças passam por um período em que suas representações são rabiscos desordenados evoluindo para desenhos mais realistas.
No que se refere à educação, mais especificamente no ensino de artes, o desenho infantil ou a representação gráfica é uma técnica importante para que a criança adquira competências de sensibilidade e cognição, podendo desenvolver conhecimentos.
Para Luquet (1979), o desenho infantil nos permite penetrar mais intimamente na psicologia da criança e determinar até que ponto sua representação se diferencia da do adulto. Ao desenhar, a criança não se inspira no modelo objetivo que tem diante de seus olhos e, sim na imagem que tem em seu espírito no momento em que desenha, ou seja, no modelo interno. Dessa forma, perceber se o objeto a ser representado necessita ou não estar presente para que a representação ocorra ou se o desenho é apenas uma tentativa de imitação. Nessa perspectiva construtivista, o desenho infantil é realizado mediante a atividade da criança com o objeto, desenhando o que suas estruturas mentais permitam que ela veja em um determinado momento de seu desenvolvimento.
Luquet (1979) insiste no caráter realista do desenho infantil e propõe quatro níveis de desenvolvimento. O primeiro nível, o Realismo Fortuito se divide em dois momentos, o involuntário, em que não há intencionalidade em se representar algo e o voluntário, em que a criança inicia sua representação com uma intenção e interpreta-a de acordo com o que lhe é parecido.
No nível II, denominado Incapacidade Sintética, a criança desenha omitindo ou exagerando partes do objeto, de acordo com a importância que representam para ela.
O nível II, denominado Realismo Intelectual, é aquele em que a criança representa todo o conhecimento que possui do objeto podendo desenhar até mesmo suas partes internas, por exemplo, ao representar uma casa, ela desenha também os móveis que estão dentro dela, ou ao desenhar um corpo humano, representa também seus órgãos internos.
No nível IV denominado Realismo Visual, a criança representa utilizando as noções de projeção e distância. Isto porque, a criança consegue guardar mentalmente as proporções do objeto do jeito que ela o vê e tem o domínio do tamanho do objeto em função da distância.
É inegável que o desenho para a criança é uma atividade muito prazerosa. Expressar-se graficamente significa representar o que está ao seu redor bem como, utilizar sua criatividade e liberar seus sentimentos. Mas por que a criança, ao ingressar na escola, perde o interesse por uma atividade que, até então, lhe dava prazer? Será que a própria tendência para o desenvolvimento de uma representação mais realista faz com que os desenhos das crianças se tornem menos expressivos?
A primeira questão nos remete a pensar o quanto à escola impõe a criança um repertório de signos gráficos constituídos ao longo do tempo, como árvores, flores, casa, pássaros, entre outros, que acaba empobrecendo tanto os temas escolhidos para a representação gráfica quanto as formas do desenho. É como se existisse uma padronização para tais representações, por exemplo, as florzinhas têm que ter os cabinhos verdes, os telhados das casas têm que apresentar uma forma triangular e ser marrom, limitando a criatividade da criança.
Outro fator que faz com que a criança se desinteresse pelo desenho é a expectativa do adulto por uma representação o mais realista possível. Não tendo condições de apresentar esse tipo de representação, a criança perde o gosto pelo desenho.
Se pensarmos que na medida em que a criança cresce seu desenho vai se desenvolvendo espontaneamente para uma representação mais realista, essa expectativa do adulto é desnecessária. Mas devemos ressaltar que a representação realista não se trata de um desenho inexpressivo e explicaremos o motivo.
Muitas vezes a apresentação de um desenvolvimento em níveis, como o do desenho, pode nos remeter a um padrão final, em que a prioridade é se atingir o último nível e esse equívoco faz com que a utilização do desenho infantil como uma técnica para o desenvolvimento de conhecimentos não seja efetivada na prática.
O professor que conhece os níveis do desenvolvimento do desenho pode perceber as intenções de representação da criança. Se a criança apresenta intenção de desenhar segundo o realismo intelectual, o professor deve estar desenvolvendo o sentido da observação, atraindo a atenção da criança para motivos que talvez nunca lhe tivessem interessado. Dessa maneira, no que se refere ao psíquico, “se força a criança a um trabalho pessoal, a criar modelos internos, a conservá-los e a modificá-los” (LUQUET, 1979, p.232), ampliando o seu repertório criador e aumentando suas possibilidades para novos conhecimentos.
Ao ter a intenção de desenhar segundo o realismo visual, a intervenção do professor pode pautar-se nos princípios da perspectiva, principal característica deste nível, e poderá introduzir algumas questões sobre a representação de um objeto em perspectiva. Para não deixar que a criatividade seja colocada de lado, e dê o caráter aos desenhos de “menos expressivos”, o professor pode incentivar a criança na representação de paisagens ou temas de seu interesse em que possa fazer uso das características do nível do realismo visual.
Uma atividade que pode ser prazerosa e interessante para a criança e que pode apresentar elementos do nível do realismo visual são as reproduções de obras de artes, bem como o conhecimento das características de cada pintor e de uma determinada data. Dessa forma, o professor estaria trabalhando com um conjunto de conhecimentos, como os de História, de Arte e de Língua Portuguesa mediante o auxílio da técnica do desenho.
Evidentemente, a tentativa de reproduzir uma pintura não resulta em uma cópia perfeita, pois depende do nível de desenvolvimento em que a criança ou adolescente se encontra. Assim, a criança reproduz não o que vê, mas o que compreende.
Portanto, essa afirmação ressalta que o desenho infantil não deve ser visto como um produto final perfeito aos olhos do adulto, mas considerado em seu processo de criação e desenvolvimento.
Bibliografia
LUQUET, G. H. O desenho infantil. Trad. Maria Teresa Gonçalves de Azevedo. Porto: Livraria Civilização, 1979.
MÈREDIEU, Florence de. O desenho infantil. Trad. Álvaro Lorencini e Sandra M. Nitrini. 7ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2000.